segunda-feira, 29 de julho de 2013

Viagem a Portalegre

     5 de Julho
     ... despertei ao largo de Évora Monte e, depois de largos meses, fui-me aproximando de Estremoz. O estado é de expectativa, um pouco também (penso nisso, agora) de expectação, pois Estremoz vai nascer outra vez, para mim. Perto da cidade, uma grande vinha. A encosta do castelo, ao longe, com tom avermelhado, cor de tijolo, sem agricultura, livre, os afloramentos de mármore mais ou menos escurecidos, «ganhou» outra cor, cinzenta (?), sem aquele vago ressumar de sangue, sangue velado ou o que se quiser, mas cheio de carácter.
     Vou reconhecendo: a Rua do Reguengo em frente, que deixamos à nossa direita, o campo de hóquei, o antigo colégio de S. Joaquim (depois, secção do Liceu Nacional de Évora; mais tarde, Ciclo Preparatório), a Escola Secundária com 3.º Ciclo da Rainha Santa Isabel, que me pareceu irreconhecível, quase oculta pelas árvores. O conjunto de edifícios foi ampliado e remodelado, como se pode ver do lado do antigo ginásio. Rua da Estação, ao fundo à direita, a dos comboios; à esquerda, o terminal rodoviário, que deixou definitivamente a igreja profanada dos Oratorianos.
     Tudo foi retocado, mexido, acomodado ao tempo de agora. «Tudo demuidado está», como dizia o Sr. Zé Guilherme, [3 de Agosto de 1973] recitando umas décimas de Jaime da Manta Branca.
     A estação dos caminhos-de-ferro ostenta painéis de azulejos, protegidos por grossos vidros, que nada tiram a uma perfeita leitura. Esta «sala» do imenso museu vivo do azulejo constituído pelas estações da CP em todo o  país, (de lés a lés, estações com menos lés e menos vés e menos vez), merece ser fotografada, dada a conhecer.
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Gente de Estremoz no terminal rodoviário
     Gente nova lá fora, adultos vestidos com gosto e aprumo, jovens, urbanos. A pessoa do campo ou do trabalho, identificada pelo seu trajar, não a encontramos ali. Boa parte deles e delas devem ser estremocenses de gema, mas isso está no interior, não transparece à primeira vista na indumentária a quem olha de dentro e do alto de um autocarro. Se os ouvíssemos... São joviais. 


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     O expresso, depois de breve paragem, faz o percurso, de novo, pela rua da estação, ao lado direito as vivendas de funcionários da CP, cuidadas, no fim de tudo, também graciosa, a COCHEIRA DAS LOCOMOTIVAS. Rotunda. Que linda! Dois troços da via férrea e, no meio deles, um meio de transporte com rodados de ferro, manual, póprio para circular nos carris, para pequenos trabalhos. (No dia seguinte, indo de Évora para Portalegre, de automóvel, apeado, tu cá, tu lá e não do alto do assento do autocarro, a rotunda fica mais vulgar.) Logo a seguir, painel rectangular, ao alto, reproduzindo um «boneco de Estremoz», relativamente recente e bem conhecido, camponesa, cheia de mocidade e cor.
      Para trás, à saída da terra, fica o CONTINENTE, larga superfície ali plantada, como acontece praticamente em todo o lado, mas ainda assim absorvida pela vastidão dos campos.  Um pouco mais à frente, à direita, a saída para Orada e, depois, para S. Lourenço de Mamporcão. Digamos só da presença de Veiros, com um conjunto de pequenos edifícios a umas centenas de metros da vila lá mais acima. Este espaço a que me refiro forma um conjunto monumental, pela beleza, singeleza e importância que tem, no desafogo espiritual, de convívio, encontro da população em calendário próprio; nas dimensões familiares, estas casas, oferecem-se à intimidade das pessoas, a quem pertencem. Veiros tem dimensão de vila, a par de Évora-Monte e é como ela parte importante do concelho de Estremoz, onde vivi alguns anos e me prezo de procurar conhecer melhor. É uma pena nunca lá ter ido. Exige uma visita.
     ...    ...  Ribeira de Almuro, entre Veiros e Monforte. Um pouco antes, e depois, da ribeira de Almuro, verdes tufos de eucalipto, o verde do eucalipto no meio de umas tantas azinheiras e outras árvores. Para trás, ficaram campos amarelos, algum gado bovino, à esquerda.
     Deixemos pormenores do resto da viagem e cheguemos a Portalegre.
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     Em Portalegre, cidade...
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     O Hospital foi o centro da breve passagem pela cidade de Portalegre, mas não deixámos de a admirar, de a respirar. Até uma outra vez e por outros motivos, e o melhor será ir ver a cidade, só por si, viver o seu dia, cafés, edifícios principais, as ruas, a livraria Nun'Álvares, a Sé,  as redondezas, a serra, o recolher e a alvorada.
     (Em Portalegre, 5, 6, 7 de Julho, a partir de Torres Vedras, Évora e Ponte de Sor.)

Painel de azulejos do Hospital de Portalegre
de Luís Filipe de Abreu
       A vida. O painel podia intitular-se O Amor, A Vida, A Passagem das Gerações.
       A mulher, árvore da vida.
     Uma planta dificulta a leitura; oculta, em parte, uma figura que parece ser a morte representada na gadanha que segura na mão esquerda, com a direita sobre o ombro de um homem novo, como a dizer-lhe «Memento!» (Lembra-te!) No início da composição, da marcha ou peregrinação, um olho que vê e provê.
       A cor laranja e amarelo torrado é ambígua: luz ou chama.

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O Hospital Distrital de Portalegre


Painel de azulejos
Luís Filipe de Abreu, 1974

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     Agradeço ao autor do blogue sitioseestados.blogspot.pt as fotografias da ribeira e ponte de Almuro. O meu agradecimento é extensivo à Wikipédia, quanto ao artigo sobre Luís Filipe de Abreu. 

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